O Razão e o Intuição entram num bar…
Desde tempos imemoriais que o fazem diariamente; argumentam, tentando (e às vezes conseguindo) convencer o outro quem é dono do Certo.
O Razão entra sempre pela porta da frente.
Postura confiante; passo seguro, assente em lógica coerente; desdenhoso do que não é testemunhado pela experiência sensorial.
O Intuição ora entra pela saída de emergência, ora se materializa instantaneamente, seja sentado ao balcão ou a dar uma mija.
Desliza distraído e despreocupado, indiscernível na sua forma; tem surtos de exigência imprevisíveis.
Cego que é, acompanha-o um cão-guia, a Instinto.
O Razão bebe água, gelada; o Intuição fuma uma.
Desde tempos imemoriais que colaboram na procura do Realização; visto pela última vez no topo de uma pirâmide, na cidade de Maslow.
Desde tempos imemoriais que competem pela atenção e afectos da dona do bar, a Verdade; que, divorciada do Realidade, encontra conforto nos braços do Intuição e do Razão.
A Verdade carrega uma personalidade multifacetada, inconsistente, incoerente, indecisa, subjectiva. Incapaz de escolher entre um dos seus pretendentes, deita-se com ambos.
Adormecem a sorrir, exaustos, esgotados, mais compatíveis e só se apercebem que dormiam ao acordar.
A cada alvorada, o Intuição e o Razão, acordam devagar devagarinho, num profundo estupor de satisfação, que diminui à medida que a consciência se instala; a Verdade acorda nua e una, mais crua, condenada que está a um ciclo que a leva a si mesma.
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P.S. Tentei ser mais inclusivo com os pronomes, mas uma gajo troca-se todxs!
P.S.2 Reza a lenda que, desde tempos imemoriais, a Verdade, o Intuição e o Razão, vivem num cíclico incesto intergeracional onde a Verdade é, ao mesmo tempo, mãe de dois filhos e filha de dois pais.
P.S.3 Já agora: Onde é que a Verdade encontra conforto?